mardi 10 avril 2007

O espírito da cidade

Este texto aí embaixo é sobre

uma exposição -
"O espírito da floresta" -
a respeito dos Yanomâmis,
que ocorreu em 2004 aqui
em Paris na fundação Cartier.

-----------------

Claustrofobia.
Não se pode ser claustrófobo e morar numa cidade como Paris.
O primeiro item que desabona um provável portador desse
estado patológico é a moradia. Como qualquer pessoa comum,
terá de se contentar com uns meros 30 m2, pouco mais,
pouco menos, de um estúdio qualquer, talvez perto da praça
République.
Se tiver muita sorte, terá uma bela vista sobre Paris,
Notre-dame e torre Eiffel incluídas e nenhum vizinho a lhe
incomodar o juízo.
Mas, aí tem aperto. O estúdio mal caberá uma cama, a
televisão e seus queridos livros, pouco mais, pouco menos.
Os – poucos - armários estarão abarrotados com seus pertences.
A "toilette" será reduzida e improvisada, a "douche" terá
que ser tomada sem fazer movimentos bruscos, o gabinete mal
caberá ele em pé.
Num acesso de fobia do claustro onde ele está instalado,
ele vai dar uma volta na rua para ter espaço – que seja ao
menos público.
Para descer ele pega o elevador - o prédio tem elevador!
- que foi embutido, como na maioria dos edifícios parisienses,
no lugar onde dantes havia o nicho vertical definido pela
escada. Isto significa que o elevador é sempre estreito, mal
cabe duas pessoas.
Pensando que o aperto acabou, o sujeito provável claustrófobo
incurável, ao pôr o pé na rua, vai se deparar com a multidão
de sempre logo após a grade do seu edifício.
Gente como bichos liberados de seus 30m2 trafegam nas calçadas
estreitas da rua du Faubourg du Temple nas proximidades da
praça République.
Ali, há mais aperto. O prefeito, socialista, preferido dos
caminhantes urbanos até que já tentou dar um jeito alargando
mais as calçadas da rua e diminuindo o espaço dos carros.
Os malditos carros, que têm menos espaço na urbe do que em
qualquer outra gestão passada. Nunca é o suficiente, a
calçada continuou estreita. Piorando com o estacionamento de
motos e motonetas por todo a extensão do pavimento.



Isso é proibido, mas como tudo que é proibido em Paris, estacionar motos nas calçadas é meio permitido.
O aperto aumenta com o tráfego, o tráfego!, de motos por
cima das calçadas. O nosso personagem até que tenta
argumentar - aos gritos e com mau francês – com o condutor
da motoneta ou da moto: "les troittoirs sont interdits aux
motos!". Mas para nada, em Paris os motociclistas estão se
lixando para os pedestres.

O nosso moderno claustrófobo urbano (pleonasmo certo,
claustrofobia deve ser distúrbio moderno e urbano - como ser
claustrófobo em meio aos prados?) continuando o seu trânsito
e tentando se livrar de uma crise decide pegar o metrô.
Já da plataforma dos trens subterrâneos ele verá que deu um
passo em falso, pois ela é mais estreita que as calçadas das
ruas e tem talvez mais gente, além de uns tantos cães metropolitanos.
Quando a composição chegar à estação, o erro estará confirmado:
os vagões são estreitos e, como sempre, lotados de bicho gente.
Se der a sorte de se sentar, será para compartilhar o aperto do
assento com seu semelhante (que deve morar também num 30 m2 e
estará ali fugindo do aperto das calçadas da urbe – isso é possível
de ver pela cara feia que faz).
Fato confirmado, não dá para sentar dois num assento para dois no
metrô de Paris, nem que sejam dois magros – quanto mais dois gordos.
Ele dará graças a um deus desconhecido quando chegar à sua estação.
E para sair será outro aperto.
Impossibilidade física, os que estão do lado de fora não querem
deixar os que estão dentro saírem antes de eles entrarem.
O resultado é um redemoinho de gente na porta do vagão e às vezes
xingamento dos que estão do lado de fora com os que estão do lado
de dentro e vice-versa. Em seguida, passagens estreitas, corredores
cheios de gente, escadas rolantes repletas.

Foto: Claudia Andujar

Fugindo da multidão, numa tarde de quinta-feira,
ele é feliz, porque nesta tarde de quinta-feira,
onde estão todos encarando compromissos, o único
compromisso que ele terá de encarar é a exposição
"Yanomami, l'esprit de la forêt" na fundação Cartier
no bulevar Raspail, no 14°“arrondissement”.
A exposição é um misto de documentário sobre os
Yanomâmis e obras de alguns artistas que foram à
aldeia mais visitada do território Yanomâmi –
Watokiri - do lado brasileiro.
Eles fazem uma espécie de "relato artístico"
sobre a experiência. É, na verdade, um dos objetivos
da exposição,mostrar como obras de artistas podem
reverberar com a cultura Yanomâmi.
O melhor, a meu ver, fica mesmo pelas seções mais
documentais da exposição.
Tome-se como exemplo o trabalho encomendado pela
fundação especialmente para a exposição a Raymond
Depardon, da Magnum.
Tela enorme em meio a uma sala
escura, dois vídeos de meia hora ao todo. Um deles mostra uma sessão xamanística, com a inalação de um po’ – Yãkoana - que tem efeitos alucinógenos. Longamente os xamãs aspiram
o Yãkoana e realizam uma cerimônia de cura. Sem palavras explicativas ou legendas, apenas imagem e som Yanomâmis e a familiarização do espectador com o Yanomâmi.
Aliás, essa parece ser a linha que guia a exposição: uma
sensibilização do espectador com o mundo Yanomâmi,
nada de didáticas escolares, falsos purismos ou
romantismos indígenas. Ela antes é uma abordagem
etnográfica que deixa o sujeito Yanomâmi falar e
apresentar-se sem que haja muitos subterfúgios.
Assim, é preciso ir à exposição com tempo, essa mercadoria
escassa, pois não há roteiros ou cronologias para se entrar
ou sair da exposição.
Veja esta sala com três enormes telas suspensas nas quais
a aldeia de Watokiri é mostrada em vídeos realizados por
Wolfgang Staehle.
A aldeia foi filmada durante 24 horas de três vistas diferentes, e os vídeos projetados deslizam as imagens com a lentidão atemporal que parece ter a vida na floresta para um espectador urbano. Tome-se também os sons vários colhidos por Stephen Vitiello dos Yanomâmis de manhã cedo indo ao rio e voltando à aldeia, de mulheres e
meninas cantando, de ruídos vários da floresta. E a exposição
tem também espaço para documentar a invasão que os
Yanomâmis sofreram dos povos d’além-floresta.
Num vídeo realizado por Volkmar Ziegler, que passou sete
meses vivendo com os Yanomâmis, por mais de duas horas os
Yanomâmis testemunham os fatos a partir das suas aldeias,
mostrando in loco como aconteceu a chegada de missionários,
soldados do exército e mineiros atrás de ouro.
Tem também as fotos de Claudia Andujar, uma das pessoas
que tiveram papel fundamental na demarcação do território
Yanomâmi.

Confira o site da fundação aqui:
Fundação Cartier

No primeiro andar, junto à livraria da fundação, uma tela
explora lentamente e com cuidado a geografia e topografia
Yanomâmis, a partir de dados de satélite, do território
delimitado pelo governo do Brasil em 1992.
As suas todas aldeias, uma a uma, os rios da região, as
minas e assentamentos ilegais, as estradas que se tentou
passar pelo território.

"Yanomâmi" significa no dialeto Yanomâmi "seres humanos".

Esta exposição, antes de somente fomentar uma reflexão
sobre o modo de vida Yanomâmi, imprime no visitante
um olhar crítico e até inquieto
sobre a sua própria maneira de viver na cidade moderna.

Aucun commentaire:

 
Google